Visitar a casa de William Shakespeare, em Stratford-upon-Avon, é diferente de visitar as casas de autores ingleses como Jane Austen ou William Wordsworth, que são residências no campo. Stratford é uma cidade de 27 mil habitantes, pequena mas muito ativa, e a casa onde Shakespeare nasceu e cresceu fica bem no meio das coisas. Para quem é de São Paulo ou do Rio Grande do Sul, imagine-se um lugar assim como Campos do Jordão ou Gramado, com aquela arquitetura bonita mas menos pobreza nas periferias, e uma vida cultural girando em torno de um único e previsível tema: a herança cultural de um escritor de gigantesca estatura.
Em Stratford quase tudo é Shakespeare: os nomes de restaurantes e lojas, os artigos à venda, os barcos de passeio, as estátuas — a absoluta maioria faz referência ao autor ou a suas peças e personagens.
Agora, se por um lado a presença de Shakespeare em Stratford é muito mais pronunciada do que a de Jane Austen em Chawton, sabemos muito menos sobre ele do que sobre Austen. Imagino que hoje até quem não mexe profissionalmente com literatura já ouviu dizer que as peças atribuídas a Shakespeare não foram escritas por ele, mas por uma série de outros possíveis autores. Parte do argumento é que o pouco que sabemos sobre o homem William Shakespeare parece incompatível com a autoria das peças. Nenhum acadêmico de respeito acredita nessas teorias. Sabemos pouco sobre Shakespeare, como sabemos pouco sobre a grande maioria dos autores de sua época. Simplesmente acontece que o registro histórico do século XVI é bem menos completo do que o dos séculos posteriores. Saber pouco sobre Shakespeare é normal, e tudo indica que nunca saberemos muito.
Mas sabemos que ele nasceu aqui, em 1564, porque o registro do batismo ainda existe, como mostra a foto acima. Seu pai era um homem importante na cidade, e a casa onde Shakespeare cresceu mostra a relativa afluência da família. É uma casa grande, de muitos cômodos, com espaços separados para receber visitantes e até ostentar bens. Um dos cômodos da frente servia de oficina de luveiro, e os aprendizes de John Shakespeare trabalhavam ali e vendiam luvas a passantes por uma pequena janela que se abre para a rua.
Shakespeare morou nessa casa até a idade adulta. Casou-se com Anne Hathaway, na época grávida da primeira filha, e teve com ela posteriormente um casal de gêmeos. Em algum momento nessa obscura fase de sua vida, ele se mudou para Londres e iniciou sua tremendamente bem-sucedida carreira de ator, dramaturgo, diretor e sócio-proprietário de teatros da capital.
Ninguém sabe ao certo como essa transição aconteceu, mas Shakespeare ganhou dinheiro o bastante para comprar uma nova casa em Stratford para a família. Para essa casa, a maior de todas em Stratford, ele se mudou permanentemente alguns antes de sua morte, em 1616. Mas durante anos ele teve dois endereços, um em Londres e outro no interior. A segunda casa não existe mais, mas a casa em que ele nasceu e cresceu ainda existe e está lá para ser visitada. Ela foi posta à venda no século XIX e poderia ter sido demolida, quando o Comitê do Aniversário de Shakespeare, liderado entre outros por Charles Dickens, arrecadou verba para comprá-la e preservá-la. Desde a década de 1860 a casa funciona como museu.
Vão outras fotos da cidade e da casa:
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